segunda-feira, 5 de março de 2012

Cineclube de Março: cineliteratura


Cine–literatura: interseções entre cinema e literatura.  Os romances do século XX transformados em imagens.

Sexta, dia 09/03, 20:30h
Of Mice and Man (Ratos e homens), de Gary Sinise, 115 min., 1992, EUA.  Filme baseado no livro “Ratos e homens”, de Jonh Steinbeck(1937). Classificação indicativa: 14 anos.
A poucos quilômetros ao sul de Soledad, o rio Salinas desce bem junto ao flanco da colina e corre profundo e verde. Sua água é morna, pois desliza cintilando ao sol por sobre areias amarelas antes de alcançar o estreito lago natural. De um lado do rio, os flancos dourados da colina sobem sinuosos até as montanhas Gabilan, fortes e rochosas, mas do lado do vale a água acha-se orlada de árvores — salgueiros frescos e verdes a cada primavera, mostrando nas junções das folhas inferiores fragmentos rochosos das enchentes de inverno; sicômoros com troncos e ramos brancos, pintalgados, debruçam-se também sobre a água imóvel. Na margem arenosa sob as árvores, a camada de folhas é tão profunda e quebradiça que um lagarto a faz estalar quando corre sobre ela. Ao anoitecer, os coelhos deixam as moitas e vêm sentar-se na areia e os baixios úmidos ficam cobertos com as pegadas noturnas dos guaxinins e dos cães de fazenda e com as marcas em forma de cunha dos cervos que chegam para beber no escuro. Por entre os salgueiros e sicômoros há um caminho duramente batido pelos meninos que descem das fazendas para nadar no lago e pelos vagabundos de estrada que à noite, cansados, acampam junto à água. Diante do galho baixo e horizontal de um sicômoro gigante vê-se um monte de cinzas produzido por inúmeras fogueiras; gasto e polido, o galho já serviu de assento para muitos homens….Ao anoitecer daquele dia quente, uma brisa começou a mover-se entre as folhas. A sombra escalava as colinas em direção ao topo, e os coelhos sentavam-se quietos, como pequenas esculturas de pedra cinzenta nas margens arenosas. Vindo da rodovia estadual, um som de passos estalou nas folhas secas dos sicômoros. Rápidos, sem ruído, os coelhos se esconderam. Uma pomposa garça ergueu-se pesadamente no ar e bateu asas rio abaixo. Durante um momento o lugar tornou-se inanimado. Então, a seguir, dois homens surgiram no caminho e pararam na clareira junto ao lago verde. Caminhavam em fila indiana e, mesmo ali na clareira, permaneciam um atrás do outro. Ambos vestiam calças e casacos de brim com botões de cobre. Os dois usavam chapéu preto disforme e carregavam nos ombros cobertores bem en- rolados. O primeiro homem era pequeno, moreno e ágil, com olhos inquietos e traços fortes, marcantes. Tudo nele era bem definido: mãos pequenas e vigorosas, braços delgados e nariz fino e ossudo. O homem à retaguarda era o seu oposto.  Enorme, rosto inexpressivo, olhos grandes e mortiços e ombros largos, caídos. Caminhava pesadamente, arrastando um pouco os pés, como os ursos. Seus braços não oscilavam de forma natural, pendiam frouxos ao longo do tronco.

Sexta, dia 16/03, 20:30h
Morte a Venezia (Morte em Veneza), de Luchino Visconti, 130 min, Itália, 1972.  Filme baseado no livro “Morte em Veneza” de Thomas Mann (1912).
Numa tarde de primavera do ano de 19..., que meses a fio vinha mostrando ao nosso continente um semblante tão ameaçador, Gustav Aschenbach, ou von Aschenbach, como passara a chamar-se oficialmente desde seu qüinquagésimo aniversário, saíra de sua residência na rua do Príncipe Regente, em Munique, para um longo passeio solitário. Muito agitado por uma manhã de trabalho árduo e arriscado, a exigir justamente agora uma extrema cautela, circunspecção, rigor e força de vontade, o escritor não conseguira, nem mesmo após o almoço, sofrear a vibração do mecanismo criador em seu íntimo --aquele motus animi continuus que, segundo Cícero, constitui a essência da eloqüência --e não pudera dispor do cochilo reparador que lhe era tão necessário durante o dia, ante o crescente desgaste de suas forças. Assim, logo depois do chá, ele procurara o céu aberto, na esperança de que um pouco de ar livre e movimento o restabelecessem, propiciando-lhe uma noite proveitosa.

Sexta, dia 23/03, 20:30h
Brazil (Brazil), de Terrie Gilliam, 132min, 1985, Englaterra. Filme baseado no livro “1984”, de George Orwell (1948). Classificação indicativa: 14 anos 
…..ERA UM DIA FRIO E ENSOLARADO DE ABRIL, E OS RELóGIOS batiam treze horas. Winston Smith, o queixo fincado no peito numa tentativa de fugir ao vento impiedoso, esgueirou-se rápido pelas portas de vidro da Mansão Vitória; não porém com rapidez suficiente para evitar que o acompanhasse uma onda de pó áspero. O saguão cheirava a repolho cozido e a capacho de trapos. Na parede do fundo fôra pregado um cartaz colorido, grande demais para exibição interna. Representava apenas uma cara enorme, de mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços rústicos mas atraentes. Winston encaminhou-se para a escada. Inútil experimentar o elevador. Raramente funcionava, mesmo no tempo das vacas gordas, e agora a eletricidade era desligada durante o dia. Fazia parte da campanha de economia, preparatória da Semana do ódio. O apartamento ficava no sétimo andar e Winston, que tinha trinta e nove anos e uma variz ulcerada acima do tornozelo direito, subiu devagar, descansando várias vezes no caminho. Em cada patamar, diante da porta do elevador, o cartaz da cara enorme o fitava da parede. Era uma dessas figuras cujos olhos seguem a gente por tôda parte. O GRANDE IRMÃO ZELA POR TI, dizia a legenda….


Sexta, dia 30/03, 20:30h
A Clockwork Orange (Laranja Mecânica), de Stanley Kubrick, 136 min, 1971, Englaterra. Filme baseado no livro “Laranja Mecânica” di Antony Burgess. Classificação indicativa: 16 anos

…- Qual vai ser o programa, hein?
Tinha eu, quer dizer, Alex e meus três drugues, quer dizer, Pete, Georgie e o Tapado, o Tapado sendo realmente tapado, e nós estávamos sentados no Leite-bar Korova, rassudocando o que fazer da noite, num inverno agitado, preto e gelado, uma merda, se bem que seco. O Leite-bar Korova era um méssito de tomar leite-com, e vós, ó meus irmãos, já podem ter se esquecido como eram aqueles méssitos, com as coisas mudando tão escorre hoje em dia e todo mundo muito rápido pra esquecer, os jornais também não muito lidos. Bom, o que vendiam lá era leite com alguma coisa. Não tinham licença pra vender bebida, mas também ainda não tinha nenhuma lei contra prodar algumas das novas véssiches que eles costumavam botar no moloco, de modo que a gente podia pitar ele com velocete, ou sintemesque, ou drencrom, ou uma ou duas outras véssiches que deixavam a gente uns bons e tranqüilos quinze minutos horrorshow admirando Bog e Todos os Seus Bem Aventurados Anjos e Santos no sapato esquerdo, e com luzes pipocando dentro do mosgue. Ou se podia pitar leite com facas, como a gente costumava dizer, e isso deixava a gente afiado e pronto pra uma sujeira de vinte-contra-um, e era isso que a gente estava pitando naquela noite com que eu estou começando a historia….